sábado, janeiro 29, 2011

O plano de implantação da cidade de Teresina (1852) i

Existe traçado geométrico, reticulado, simétrico. Traçado planejado para a cidade ter muitas esquinas. Quem diria? Esquinas para vigiar. Não importa porque é seguro para viver. Além do mais, se por um lado é impossível de se esconder, por outro é bom pra descortinar. Afinal, cada esquina se abre em quatro direções. São caminhos para o mundo que se queira.
Miniatura do plano da cidade, anexado a correspondência da Câmara Municipal, enviada ao Presidente da Província do Piauí, em 28/04/1855.

Teresina se fez a nova capital do Piauí através de desenho atribuído ao Mestre Isidoro. Impregnado do barroco quanto a racionalidade, formalismo, uniformidade e retilineidade do traçado, era um quadrilátero de 43 km² com 1.500 braças para o sul e 1.500 braças para o norte. Ruas de idas e vindas ao Parnaíba cruzando em ângulo reto com outras de direção norte/sul, como em um tabuleiro de xadrez.
  
Planificação de origem na política pombalina traz especificidades formais do urbanismo português (Séc. XII a XVIII), tais como a criteriosa escolha de localização do núcleo inicial, a cuidadosa adaptação ao sítio e a mesma forma de implantação da praça central de onde o traçado se origina. Sua composição apresenta duas particularidades quanto à sua centralidade. A primeira se refere à geometria. A praça dita central, não está no centro do quadrilátero urbano original. Localiza-se defronte a Igreja Matriz cuja soleira principal contém o marco-zero da cidade e cuja implantação, faz do edifício religioso o ponto focal para aqueles que chegavam à cidade pelo Rio Parnaíba. Tal característica indica um traçado feito em obediência à mesma técnica urbanística barroca de valorização da perspectiva de um edifício.

A segunda particularidade se refere à existência de uma lógica social do espaço localizado ao derredor da praça central. Trata-se do movimento social oriundo da localização dos edifícios institucionais em seu derredor. Suas implantações em destaque pretendiam alardear a autoridade portuguesa, no entanto a religiosidade se sobrepôs e a igreja matriz, além de conter o marco zero, foi também marco espacial de fronteiras sociais. Perto dela os lugares de trabalho, de administração, de saúde, de preservação. Atrás dela o lugar de comércio. Longe dela, em uma distância conveniente para o padrão espacial da época, a zona ou lugar de prostituição. Ainda é assim.

Traçado proveniente de um desenho erudito, o plano de Isidoro representa a racionalização de recursos e a simplificação de procedimentos. Função da topografia e de demandas sócio-políticas resultou na flexibilidade da trama urbana, na articulação das praças e na informalidade dos loteamentos. É marca de um planejamento prévio. Comprova que Teresina foi de fato a primeira cidade planejada e construída no Brasil - Império com o objetivo de ser capital.

Sua regularidade presume facilidade técnica e economia quanto a execução em termos de tempo e de custo, mas também esconde uma história de dominação e controle. A regularidade do traçado também era uma necessidade política de controle do espaço, herança do ofício da Engenharia Militar Portuguesa que promovia o estabelecimento e desenvolvimento da rede urbana no Brasil do século XVIII. Desta regularidade se obtém uma malha reticulada e simétrica que demonstra o feitio moderno do plano. Apresenta dimensões que permitiram a cidade acompanhar a modernização do sistema de transportes.

O plano também é moderno porque revela preocupação com um detalhamento quantitativo e qualitativo. No primeiro caso, a história mostra que Isidoro considerou fatores como densidade, superfície, dimensões, etc. Afinal, o tamanho do tecido urbano deveria absorver a população da Vila Velha e os funcionários públicos da antiga capital. No segundo caso, percebe-se que o desenho obedece a certas condições da tradição urbanística portuguesa. Ou seja, atende as condições de defesa, de boa ventilação, drenagem, controle, acessibilidade, adequação à topografia e ao clima. Além disto, fica evidente que o Plano também contempla certa pertinência funcional quanto a regras de distribuição espacial das atividades e quanto à pertinência dimensional relacionada à largura, comprimento, malha, etc.

O Plano contém elementos figurativos que definem uma tipologia de elementos urbanos (ruas, praças, lotes, quarteirões, esquinas) com articulações importantes que denotam o cuidado com o fazer urbano, próprias do planejamento prévio e que proporcionam um equilíbrio das inter-relações urbanas, das funções e das condições de uso do espaço. Mostram-se, por exemplo, no diálogo equilibrado entre cheios (áreas edificadas) e vazios (áreas livres) que resulta proporcional em volume e adequação climática.


(i) Este texto originalmente foi publicado com a seguinte referência: Braz e Silva, Angela Martins Napoleão. O Plano de implantação da cidade de Teresina (1852). Salvador, Editora da Universidade Federal da Bahia, Cadernos PPG-AU\UFBA \ Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Ano 7, Número Especial, 2008, p 43-45. Francisco de Assis da Costa (Org.), 142p.: Il. Semestral, ISSN 1679-6861
       

5 comentários:

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  2. Caio, no cap 2 de minha tese, trato da fundação da cidade e de sua adequação urbana. Duarante a pesquisa, descobri coisas impressionantes que confirmam o planejamento e dão a medida do nível em que foi realizado.

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  3. Gostei desse texto "O plano de implantação da cidade de Teresina (1852)". A partir de agora passarei a ser um seguidor de seu blog. Também peço que visite meu blog e torne-se uma seguidora também. O título do meu blog é "Olhos da Mente";- segue o endereço: (http://historiadeuniaopi.blogspot.com/)

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  4. Obrigado, Antônio Félix. Já passei em 'Olhos da Mente', mas olha, você bem que podia colocar uma foto pra conhecermos o 'Felekeche'.

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  5. Foram muitas as preocupações levadas em conta no planejamento da "Teresina de 1982", no entanto, muitas características se mantiveram apenas na região central da cidade. As praças centrais, por exemplo, que criam zonas de equilíbrio térmico. Se os futuros planejadores tivessem incorporado ao tecido urbano da cidade a mesma quantidade de praças [enquanto espaço público com densa vegetação para amenizar o clima da capital], a cidade seria mais bonita, com mais identidade e mais confortável termicamente.

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